O
programa fome zero, do governo federal, que promove o fornecimento de
leite para pessoas de baixa renda, vem enfrentado problemas
generalizados e, com isso, prejudicando tanto a população beneficiada
como os produtores rurais que fornecem o leite.
Vale
esclarecer que o programa abrange os nove estados do Nordeste e parte
do semiárido de Minas Gerais e aqui no estado é chamado de Programa
Leite da Paraíba. Assim, faço algumas reflexões sem especificações
dirigidas somente à Paraíba, onde, por sinal, apesar do esforço da
coordenação local, esbarra em barreiras normativas que adiante passamos a
referenciar.
Criado
há mais de dez anos, afirmamos sem nenhum receio que, tal programação
foi a melhor concebida até os dias de hoje, como efetivo estímulo ao
pequeno criador e no nobre objetivo de reduzir a carência alimentar de
famílias em situação de vulnerabilidade social nas periferias das
cidades. Tinha a feliz tarefa de provocar positivas reparações a partir
do campo, inclusive como importante instrumento para a regulação do
preço do leite em nível de produtor. Trouxe aos nossos produtores
rurais, atores principais para o sucesso de tal programa, principalmente
os do semiárido, uma nova opção de renda, encurralados pelas estiagens
da impossibilidade do tradicional cultivo do milho e feijão, ao tempo em
que os permitia evitar o triste partir das suas origens.
Em
um segundo momento, incentiva a instalação de pequenas e médias
unidades de beneficiamento de leite, criando mais empregos e oferecendo
um produto de qualidade, com sanidade controlada. E, por fim, o enorme
alcance social traduzido na distribuição às populações carentes, com a
doação de leite, a exemplo da Paraíba onde temos 120.000 famílias
criteriosamente cadastradas como beneficiárias.
Percebia-se
que foi concebida e efetivada uma extraordinária cadeia produtiva, com
todos os seus efeitos de positividade, desde o campo até ao consumidor.
Entretanto,
infelizmente, percebemos um crescente declínio deste programa, não
somente na Paraíba, mas também em outros estados do NE e, talvez, em
futuro próximo, o seu total esvaziamento.
Ressalto,
por dever de consciência e pronto esclarecimento, que tal infortúnio
não tem seus motivos lastreados em qualquer ingerência estadual, cujas
autoridades demonstram em atos oficiais a vontade e ânimo em torná-lo
operacional.
As causas, sim, sem nenhuma dúvida, estão visíveis na instância
federal, onde os normativos da programação foram criados, ao abrigo do
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos/Leite, por consequência das
incoerências ali encontradas.
Justo
se faz a crítica, apontar os erros e, principalmente, sugerir correções
o melhor desempenho. E aqui, sem nenhum receio da necessidade em
torná-la pública, passo a fazê-la:
1º)
As normas exigem que a produção limite para cada produtor de leite
cadastrado como fornecedor seja correspondente a rendimento máximo de R$
4.000,00/semestre.
2º)
O preço do leite pago pelo Governo ao pequeno produtor, com justiça
reajustado a partir de agosto corrente, é de R$ 0,97/litro, ou seja, o
limite para cada produtor familiar será de apenas 22,9 litros/dia.
Deduz-se,
facilmente, que, quanto mais remunerativo for o preço do leite, menor
será a quantidade possível de entrega ao programa. Vê-se, claramente,
que o produtor está sendo punido por produzir mais.
Eis aqui o maior “gargalo” de desta programação:
Quem
trabalha no campo sabe que uma vaca de leite de média mestiçagem
leiteira, em duas ordenhas, alcança ou supera o limite de 22 litros.
Pergunto então, de que vale promover assistência técnica no meio rural,
incentivar o homem a elevar a sua renda e consequente melhoria das suas
condições de viver, se, ao mesmo tempo, são criados obstáculos para
alcançar a comercialização de seu produto.
É uma total incoerência!
Será
possível que um produtor familiar que alcance uma produção entre 150 a
200 litros/dia, resultado da ordenha de 10 a 15 vacas, seja considerado
um “médio” ou “grande produtor”? Ou, por ser nordestino, somente poderá
criar uma ou duas vacas?
Será
que os burocráticos que elaboram tais normativos não sabem que os
custos com insumos, mão de obra, energia elétrica, plantios, etc...,
hoje altíssimos, depois de deduzidos da receita bruta, estabelecem um
padrão mínimo de sobrevivência do nosso produtor?
3º)
E tem mais. Quando distribuem a sua produção de leite nos cadastros de
membros da própria família, que moram e/ou trabalham no mesmo imóvel
rural ou vizinhanças, com a finalidade de não perderem o direito de
comercializar para o programa oficial, a esdrúxula cota de 22,9
litros/dia por produtor, entram na lista de desonestos e, sem nenhum
desmerecimento para os citricultores, denominados de “laranjas”.
4º)
Quando lemos notícias do Governo Federal sobre programas de combate a
miséria, e nos deparamos com situações como esta, surge um sentimento de
vazio, de incredulidade e, ao mesmo tempo, de revolta. Assuntos tão
importantes para o nosso homem rural sendo tratados sem a devida
atenção. O clamor do campo é visível, mas as reclamações são tímidas,
próprias de anos e anos de submissão.
5º)
A solução, aponto agora, é a discussão aberta, transparente, entre
todos os segmentos componentes do programa, visando corrigir distorções e
vir ao encontro de um normativo que continue a atender plenamente os
princípios legais, mas, que, ao mesmo tempo e, incondicionalmente,
redima os produtores rurais de obrigações normativas incoerentes,
despropositadas, que inviabilizem a pequena e média atividade leiteira
serem beneficiárias de um projeto identificado como redentor para os que
a ele se dedicam.
Sob
nossa ótica, e pela reclamação observada em todos os recantos da
Paraíba, urge, com a máxima brevidade, que tenhamos a coragem de
discutir com transparência tais entraves e provocar as mudanças
necessárias, sugerindo que a Paraíba seja o estado a liderar tais ações,
assumindo a coordenação para a realização de um encontro regional, com a
lógica e indispensável presença de todos os componentes de tão
importante programação, a fim de evitar que, em um curto prazo, não
venhamos a afirmar que “não adianta chorar o leite derramado”.
Mário Borba é presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Paraíba (FAEPA)