Rádio Nação Ruralista

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O leite derramado

O programa fome zero, do governo federal, que promove o fornecimento de leite para pessoas de baixa renda, vem enfrentado problemas generalizados e, com isso, prejudicando tanto a população beneficiada como os produtores rurais que fornecem o leite.
 
Vale esclarecer que o programa abrange os nove estados do Nordeste e parte do semiárido de Minas Gerais e aqui no estado é chamado de Programa Leite da Paraíba. Assim, faço algumas reflexões sem especificações dirigidas somente à Paraíba, onde, por sinal, apesar do esforço da coordenação local, esbarra em barreiras normativas que adiante passamos a referenciar.
 
Criado há mais de dez anos, afirmamos sem nenhum receio que, tal programação foi a melhor concebida até os dias de hoje, como efetivo estímulo ao pequeno criador e no nobre objetivo de reduzir a carência alimentar de famílias em situação de vulnerabilidade social nas periferias das cidades. Tinha a feliz tarefa de provocar positivas reparações a partir do campo, inclusive como importante instrumento para a regulação do preço do leite em nível de produtor. Trouxe aos nossos produtores rurais, atores principais para o sucesso de tal programa, principalmente os do semiárido, uma nova opção de renda, encurralados pelas estiagens da impossibilidade do tradicional cultivo do milho e feijão, ao tempo em que os permitia evitar o triste partir das suas origens.
 
Em um segundo momento, incentiva a instalação de pequenas e médias unidades de beneficiamento de leite, criando mais empregos e oferecendo um produto de qualidade, com sanidade controlada. E, por fim, o enorme alcance social traduzido na distribuição às populações carentes, com a doação de leite, a exemplo da Paraíba onde temos 120.000 famílias criteriosamente cadastradas como beneficiárias.
 
Percebia-se que foi concebida e efetivada uma extraordinária cadeia produtiva, com todos os seus efeitos de positividade, desde o campo até ao consumidor.
 
Entretanto, infelizmente, percebemos um crescente declínio deste programa, não somente na Paraíba, mas também em outros estados do NE e, talvez, em futuro próximo, o seu total esvaziamento.
 
Ressalto, por dever de consciência e pronto esclarecimento, que tal infortúnio não tem seus motivos lastreados em qualquer ingerência estadual, cujas autoridades demonstram em atos oficiais a vontade e ânimo em torná-lo operacional. As causas, sim, sem nenhuma dúvida, estão visíveis na instância federal, onde os normativos da programação foram criados, ao abrigo do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos/Leite, por consequência das incoerências ali encontradas.
 
Justo se faz a crítica, apontar os erros e, principalmente, sugerir correções o melhor desempenho. E aqui, sem nenhum receio da necessidade em torná-la pública, passo a fazê-la:
 
1º) As normas exigem que a produção limite para cada produtor de leite cadastrado como fornecedor seja correspondente a rendimento máximo de R$ 4.000,00/semestre.
 
2º) O preço do leite pago pelo Governo ao pequeno produtor, com justiça reajustado a partir de agosto corrente, é de R$ 0,97/litro, ou seja, o limite para cada produtor familiar será de  apenas 22,9 litros/dia.
 
Deduz-se, facilmente, que, quanto mais remunerativo for o preço do leite, menor será a quantidade possível de entrega ao programa. Vê-se, claramente, que o produtor está sendo punido por produzir mais.
 
Eis aqui o maior “gargalo” de desta programação:
 
Quem trabalha no campo sabe que uma vaca de leite de média mestiçagem leiteira, em duas ordenhas, alcança ou supera o limite de 22 litros. Pergunto então, de que vale promover assistência técnica no meio rural, incentivar o homem a elevar a sua renda e consequente melhoria das suas condições de viver, se, ao mesmo tempo, são criados obstáculos para alcançar a comercialização de seu produto.
 
É uma total incoerência!
 
Será possível que um produtor familiar que alcance uma produção entre 150 a 200 litros/dia, resultado da ordenha de 10 a 15 vacas, seja considerado um “médio” ou “grande produtor”? Ou, por ser nordestino, somente poderá criar uma ou duas vacas?
 
Será que os burocráticos que elaboram tais normativos não sabem que os custos com insumos, mão de obra, energia elétrica, plantios, etc..., hoje altíssimos, depois de deduzidos da receita bruta, estabelecem um padrão mínimo de sobrevivência do nosso produtor?
 
3º) E tem mais. Quando distribuem a sua produção de leite nos cadastros de membros da própria família, que moram e/ou trabalham no mesmo imóvel rural ou vizinhanças, com a finalidade de não perderem o direito de comercializar para o programa oficial, a esdrúxula cota de 22,9 litros/dia por produtor, entram na lista de desonestos e, sem nenhum desmerecimento para os citricultores, denominados de “laranjas”.
 
4º) Quando lemos notícias do Governo Federal sobre programas de combate a miséria, e nos deparamos com situações como esta, surge um sentimento de vazio, de incredulidade e, ao mesmo tempo, de revolta. Assuntos tão importantes para o nosso homem rural sendo tratados sem a devida atenção. O clamor do campo é visível, mas as reclamações são tímidas, próprias de anos e anos de submissão.
 
5º) A solução, aponto agora, é a discussão aberta, transparente, entre todos os segmentos componentes do programa, visando corrigir distorções e vir ao encontro de um normativo que continue a atender plenamente os princípios legais, mas, que, ao mesmo tempo e, incondicionalmente,  redima os produtores rurais de obrigações normativas incoerentes, despropositadas, que inviabilizem a pequena e média atividade leiteira serem beneficiárias de um projeto identificado como redentor para os que a ele se dedicam.
 
Sob nossa ótica, e pela reclamação observada em todos os recantos da Paraíba, urge, com a máxima brevidade, que tenhamos a coragem de discutir com transparência tais entraves e provocar as mudanças necessárias, sugerindo que a Paraíba seja o estado a liderar tais ações, assumindo a coordenação para a realização de um encontro regional, com a lógica e indispensável presença de todos os componentes de tão importante programação, a fim de evitar que, em um curto prazo, não venhamos a afirmar que “não adianta chorar o leite derramado”.
 
 
Mário Borba é presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Paraíba (FAEPA)
BORGES NETO NACÃORURALISTA

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